Entrevista concedida por telefone a Marcus Garrett, membro da mailing list brasileira Planeta Cybertron, em 25/05/2001. (A versão intergral da entrevista foi gravada em CD. Para maiores informações, entrem em contato com Marcus Garrett.) |
IntroduçãoTexto: Marcus Garrett O dublador, radialista, e veterinário Celso Vasconcelos, imortalizou sua voz perante os fãs brasileiros de Transformers, deixando sua marca na célebre frase: "Autobots, Transformar!". Hoje, aos 47 anos de idade e 16 "afastado" da série, teve a gentileza de nos ceder uma entrevista telefônica na qual revela algumas informações valiosíssimas acerca da dublagem de Transformers; considerada uma verdadeira obra-prima entre os fãs. Amigos da comunidade Transformers do Brasil, é com imensa emoção que entrevistarei agora o lendário dublador do Líder Optimus, o senhor Celso Vasconcelos, cuja voz ficou eternizada entre nós fãs brasileiros, e cuja voz imortalizou a célebre frase: "- Autobots, Transformar"! |
Entrevista (resumo)Texto: Marcus Garrett
CELSO VASCONCELOS - Bom... Eu comecei a dublar por acaso. Na realidade, eu fui a São Paulo para fazer Televisão lá, e as coisas acabaram não dando certo na TV. Fui parar na A&C São Paulo, na época, e lá eu comecei. O primeiro papel principal que eu fiz em dublagem foi em "O Corcunda de Notre Dame", um longa-metragem.
CELSO VASCONCELOS - Columbo; John Boy, dos "Waltons"; Robert Wagner em "O Rei dos Ladrões"; Sidnei Poitier no longa-metragem "Adivinhe quem vem pra jantar"; "Cortina Rasgada", com Paul Newman; Alain Delon em "O Borsalino"; Sean Connery em "O Vento e o Leão", deixe-me ver...
CELSO VASCONCELOS - Em várias épocas! Eu passei na Herbert Richers, de meados de 72 a 76, quando me formei. Então, pela primeira vez, saí de lá no início de 76. Depois, voltei em meados de 77; nem me afastei, porque algumas distribuidoras não permitiram que trocassem a minha voz, então fiquei como "Columbo", por exemplo, e como Robert Wagner ("O Rei dos Ladrões"). A Herbert Richers foi obrigada a me pagar passagem de avião em todos os finais de semana, de Minas Gerais - me formei em Veterinária e fui trabalhar para o Governo de MG - para o Rio de Janeiro; aos sábados, dublava, ficava no domingo e segunda voltava outra vez para trabalhar. Fiquei 1 ano fazendo isso. Quando terminou, 6 meses depois, voltou o "Columbo", que foi de 76 a 77 - de janeiro a janeiro - aí terminou a série que estava lá para ser dublada. Em junho de 77 voltou o "Columbo" outra vez, e a Herbert Richers ligou pra mim; eu já não estava satisfeito com o negócio do emprego público (veterinária), que era só para descansar um pouquinho mesmo, aí pedi demissão e voltei de vez.
CELSO VASCONCELOS - Bom... eu tinha voltado outra vez à Herbert Richers; eu tinha saído - fiquei até 78 - e fui para a Globo fazer TV. Depois, voltei outra vez em 79, saí em 81, voltei em 85 e justamente nessa época surgiu o teste, pois a série Transformers foi à Herbert Richers para ser dublada. Daí fui aprovado para o Líder Optimus.
CELSO VASCONCELOS - Não. No teste, só para o Líder mesmo. Geralmente, vários membros da equipe faziam teste para determinado personagem, mas cada grupo de dubladores para um mesmo personagem, então, era praticamente o elenco inteiro, com cento e tantos dubladores na época. Todo o elenco da Herbert Richers fazia testes quando chegavam esses seriados.
CELSO VASCONCELOS - Não, eu já havia dublado desenhos, antes. Como te falei anteriormente pelo telefone, raramente eu assistia aos filmes na TV, e principalmente os desenhos, porque passavam mais de manhã - era um negócio mais matutino, para criança - e eu estava gravando nessa hora. Então, dificilmente eu assistia o produto do meu trabalho, no ar; assistia mais aos longa-metragens ou séries, porque geralmente passavam à noite. Mas eu tinha feito vários outros, não me lembro exatamente. Lembro-me de "Laboratório Submarino", e do "Aquaman". Teve outro também, que era o "Homem de Lata", de "O Mágico de Oz"; tinha o Homem de Lata, o Leão, o Espantalho. Nem me lembro direito se eu fazia o Homem de Lata ou o Espantalho... Um dos dois, eu não me lembro! (risos). (NOTA: Celso não tinha idéia de que Transformers foi exibido aos domingos.)
CELSO VASCONCELOS - Não, foi um estilo próprio. Talvez tenham me escolhido para fazer os testes, em função do timbre; agora, o modo de falar, foi mais criação minha mesmo.
CELSO VASCONCELOS - Exatamente.
CELSO VASCONCELOS - Em 85 e em 86 também. Inclusive, eu tenho certeza disso pois, depois que você me enviou a fita com os episódios, comecei a relembrar determinadas situações; eu tenho certeza que eu estava lá em 1986, como o Líder Optimus.
CELSO VASCONCELOS - Bom, você não tem um tempo. A dublagem, no Rio de Janeiro, é paga por hora. Naquela época a série contava com todos os escalados e era uma confusão geral pela quantidade imensa de fixos (*), porque todo mundo era fixo no desenho. A turma do Megatron, os Decepticons, e a turma do Líder Optimus, os Autobots; todos fixos, e gerava uma confusão porque era muita gente, e na época todo mundo ficava no estúdio, junto. (*) Fixos são dubladores que sempre utilizam suas vozes nos mesmos personagens em uma ou mais séries, filmes, etc.
CELSO VASCONCELOS - Olha rapaz... era o elenco todo. Em cada cena daquelas - você vê que cada cena daquelas é altamente contracenada - ninguém ficava sozinho não, todo mundo que tá "falando" ali, tava no microfone.
CELSO VASCONCELOS - Como eu ia dizendo, o pagamento é feito por hora, e o dublador era melhor quanto mais rápido ele fosse capaz de fazer o produto final, ou seja, você assistia uma vez, em Inglês, e na outra já gravava... Eu fazia isso.
CELSO VASCONCELOS - É, você vê... Inclusive, peguei os nomes de algumas pessoas, só não consegui ligar aos bonecos porque eles não falam muito o nome do boneco, mas pessoas boas...
CELSO VASCONCELOS - Aquele garoto que fica na cadeira de rodas (*) é o Cleonir dos Santos. O Megatron é o Zé Santacruz. Detectei as vozes do Nizo Neto (**), e ele tava começando naquela época (filho do Chico Anysio); a voz do Garcia Neto (pai do Garcia Jr., responsável pela voz do He-Man); Airton Cardoso (consegui marcar o nome do robô como sendo o Slag); Orlando Drummond tá lá também; Zé Santana; Dario Lourenço (ele é um Decepticon grande, com uniforme azul-marinho e as pernas e braços creme (***)); Mário Monjardim... ele era o diretor de dublagem de Transformers... (*) Chip Chase; (**) Spike; (***) Soundwave?
CELSO VASCONCELOS - Não consegui me lembrar... sei que é um dublador paulista. Na época, ele fez toda a série do Jerry Lewis; a série quase toda com o Dean Martin.
CELSO VASCONCELOS - Morreram muitos... desses nomes que te dei agora morreram Cleonir dos Santos, Garcia Neto, e Dario Lourenço. Tem mais dubladores que lembrei: Antonio Patiño e Ionei Silva. Essas são todas as vozes que consegui identificar.
CELSO VASCONCELOS - Não, não... eu também tinha um programa de rádio, de flash backs, e tocava 50% de músicas nacionais e 50% de internacionais; eu sempre tive facilidade com Inglês, boa pronúncia.
CELSO VASCONCELOS - Isso, pro dublador, é ótimo! É uma preocupação a menos! (risos). Era muito prazeroso dublar o Líder, pois não tinha que me preocupar com a coordenação labial.
CELSO VASCONCELOS - Sim! É que eu liguei o nome... Decepticon seria o "Decepcionante"... pô, está me decepcionando é um Decepticon! (risos). Eu fiquei usando isso muitos anos da minha vida, mesmo após a época; coisa que ficava no meu subconsciente e saía naturalmente.
CELSO VASCONCELOS - Não, nada. Tínhamos o teste e, a partir dele, era "começar a dublagem tal dia" e pronto! Na época, pensávamos que o desenho fosse fazer sucesso porque era muito movimentado, e era uma coisa completamente diferente, muito movimentada mesmo.
CELSO VASCONCELOS - Sempre durante a semana, e geralmente começava de manhã. Naquela época, juntava-se um número de episódios, e fazíamos, geralmente, das 8:30 da manhã às 7:00 da noite, por aí. Dublávamos uns 6 episódios por vez.
CELSO VASCONCELOS - Olha rapaz... eu fico agradavelmente surpreso. Como eu te falei antes, isso não é a primeira vez que acontece. Aconteceu com um seriado Japonês, até mais antigo do que Transformers, que foi o Ultra Seven, e me levaram, inclusive, a São Paulo para um evento com mais de 300 pessoas, no Teatro Maria de La Costa. O pessoal me levou e as pessoas aficionadas conheciam tudo sobre o personagem, e sobre minha vida profissional, mais até que eu mesmo! Lembravam de coisas que eu tinha esquecido! (risos).
CELSO VASCONCELOS - Na dublagem tem muito o negócio do dinheiro; do "vou fazer pra ganhar dinheiro"... Não há uma ligação explícita entre o artista e o personagem, até por ser uma coisa anônima; a dublagem é o único setor artístico que não tem crédito. É uma coisa terrível...
CELSO VASCONCELOS - Sim! Fazia, até porque, na época eu não precisava mais. Teve uma época em que vivi da dublagem - época de estudante - , depois não. Na época de Transformers eu já estava formado, já tinha minha clínica e já estava bem sucedido; não precisava mais daquilo. Eu fazia por hobby e por ser uma coisa agradável.
CELSO VASCONCELOS - Não... Sem saber, estávamos marcando um encontro para o futuro... Eu não imaginava, nem de longe, rapaz! Fui descobrir isso agora, em 2000, através do evento em SP que já citei. Fui descobrir que existem pessoas que cultuam essas coisas já acontecidas há tanto tempo.
CELSO VASCONCELOS - Eu saí da Herbert Richers. Deixei todos os meus fixos, na época, porque tive uma discussão com o diretor, e ficou insustentável a coisa... saí fora. E também porque eu estava para colocar no ar um programa de rádio - que te falei - , tipo de programa noturno, com tradução, flash backs, poesia; estava pra fazer isso na Rádio Capital... já estava querendo sair mesmo. Eu não deixei o Líder Optimus, mas a dublagem no geral. Saí em agosto de 1986.
CELSO VASCONCELOS - Fico tentando me lembrar... estamos falando de acontecimentos de 16 anos atrás... Existia uma rotina. As pessoas chegavam ao estúdio e geralmente eram agrupadas de uma forma a ficarem o menor tempo possível. Quando a pessoa entrava no filme ficava lá o tempo inteiro. Quando não, procurava fazer todos os seus pedaços - que eram chamados de loops - e ia embora; cerca de 3 horas de trabalho. Quando tinha período vago, ia pro pátio e tínhamos conversas triviais.
CELSO VASCONCELOS - (após uma risadinha e alguns segundos de silêncio): "- Autobots, Transformem!".
CELSO VASCONCELOS - No princípio eu falava: "- Autobots, Transformem-se!". Devia ser assim, pelo Português, mas o diretor quase me obrigou a falar do modo como falava, pois soava melhor para as crianças. Mas sentia que era um ultraje à Língua! (risos).
CELSO VASCONCELOS - Olha... é um país sem memória... e admiro muito... já tive oportunidade de comentar contigo, admiro muito as pessoas que cultivam essa memória, e cultivam isso com seriedade. Eu acho que o país precisava um pouquinho mais disso, um pouquinho mais de pessoas assim, pra resgatar um pouco a memória, não ficar essa loucura que existe. As pessoas simplesmente se esquecem de tudo... até as mazelas políticas acontecem em função disso, porque as pessoas não têm memória, elas esquecem as coisas que são feitas. Isso começa com coisas simples assim... se as pessoas fossem capazes de resgatar ou de cultivar as coisas que foram gratificantes na infância, na vida adulta elas fariam a mesma coisa... prestariam mais atenção... teriam mais memória.
Celso Vasconcelos agradece muito e diz, mais uma vez: "- Autobots, Transformem!". |